AUTOCONHECIMENTO: O CORPO

"Self Portrait as Mr Du", fotografia, 2017

 O auto conhecimento.

O auto conhecimento é feito em três níveis (segundo Gurdjuiff). O do corpo (ao nível físico e motor), o do sentimento / sensação e o cognitivo.
Observar o corpo. Aprender a apreciar as suas formas e estudar os seus movimentos. Primeiro de uma forma isolada. Depois em relação com os outros dois níveis ou centros.
É muito difícil, senão impossível, separar a ação destes três centros entre si. Temos de perceber e encarar a sua ação de uma forma intercalada, misturada, ora dominando uma ora dominando outra.

Este primeiro estudo tomará como referencia o centro corpo / motor e este será analisado do ponto de vista dos outros centros. Ou seja, de que forma o sentimento / sensações motivam e controlam os movimentos do corpo. De que forma o raciocínio, o pensamento, a mente, condiciona esses movimentos.
A primeira observação, o primeiro estudo, é o do olhar sobre o nosso próprio corpo. Sobre o corpo e a sexualidade. E como estas se relacionam e condicionam.
Neste estudo, o espelho é o nosso mais fiel e útil companheiro. Devemos desnudarmos frontalmente, sem medos ou receios frente ao espelho. A apreciar a beleza do nosso corpo. Este corpo é a imagem de nós próprios. Mas é a imagem que os outros não conhecem. O corpo nu é a nossa “identidade” íntima. Pessoal. Desprovida de máscaras. De adereços. É neste corpo nu, delicado, que habitamos, e com o qual nos socializamos connosco próprios. A pele, as mãos, os braços, o peito, a barriga, as pernas, o sexo, são os elementos que configuram a nossa casa, a qual enchemos com sensações e pensamentos. E é através destas sensações e destes pensamentos que nos vemos a nós mesmos dentro deste corpo. Mas nós somos o corpo. Somos as sensações. Somos os nossos próprios pensamentos. Somos uma unidade a qual se não pode separar. Funcionamos como um todo, onde cada parte, como uma pequena peça mecânica, encaixa noutra peça mecânica para que tudo funcione em harmonia.
E o corpo, a pele, é a parede desse todo “uno” que somos todos nós.
Que sensações desperta este corpo nu? A primeira, e mais instintiva, é de carácter sexual. Desnudamo-nos para tornar íntimo esse ato. A nudez é um imperativo de cariz sexual. Mas pode ir além do simples ato sexual, e tornar a intimidade mais profunda. O “fazer amor” é um ato sexual em profundidade. É um ato que pretende ir mais além do simples desejo sexual e do simples contacto corporal entre dois seres. Procura fundir duas almas. É neste ato, que a sensação e o corpo se fundem dentro e fora do próprio indivíduo, porque nesse momento, os corpos e as sensações de dois indivíduos, de duas entidades separadas, se fundem.
Mas a nudez não tem apenas uma função sexual. Esta é apreendida e provocada pela sensação e pelo pensamento. Muitas das sensações e dos pensamentos não são próprios. Foram adquiridos pela tradição, pela educação (moral e religiosa) e pelas próprias combinações e experiências dos fatores mencionados, que não atuam isoladamente. Muita da companha sócio-mediática contra a nudez é imposta pela sociedade e por aquilo que ela pensa que deve ser a atitude da sociedade em relação a ela. Efetivamente, associado ao nu, estão camadas e camadas de atitudes reprimidas que se assumiram na nossa sociedade como sendo a atitude de toda a sociedade. O nu incomoda. Ver alguém nu é imoral. E é imoral porque historicamente a nudez é identificada com o pecado bíblico, imposto em toda a cultura ocidental pela religião cristã. E, quer queiramos, quer não, nunca poderemos olhar para o espelho o nosso retrato nu, sem algum complexo de culpa, porque aquilo que vemos no espelho é a imagem do pecado, a imagem da desobediência, a imagem da imoralidade.
Mas esta imagem muda quando a vemos subtil na publicidade, na rua, na tv, em revistas, na internet e por aí adiante. Nesses meios a imagem do nu prolifera. Vende. E vende porque é uma imagem trabalhada, idealizada, não como uma imagem que se deseje para a sociedade (de homens e mulheres bonitas, elas loiras e de cabelos compridos, eles de corpos atléticos e musculados, num ideal de beleza que vem já desde o renascimento) mas como símbolo do desejo (falamos, claro, de uma beleza que amputa os órgão sexuais). Estas imagens não querem que as pessoas, os indivíduos da sociedade sejam como as que se apresentam na publicidade, querem que sejam precisamente o oposto para poderem desejar ser como elas. São imagens em que a nudez fala para o ego mais instintivo dos indivíduos; o ego sexual.

Publicidade à marca de cerjeja brasileira Itaipava, 2015

O ego sexual está associado à beleza física a uma boa performance no ato sexual. Tudo condicionamentos gerados e impostos por outrem, por um tipo de sociedade que assenta na beleza e frivolidade dos indivíduos, numa espécie de filme pornográfico em que os corpos apenas se satisfazem mecanicamente em atos sexuais intermináveis.
Mas o corpo, a beleza do corpo, não tem nada que ver com tudo isto. O corpo é forma e movimento. O corpo é relação. E os corpos são verdadeiramente bonitos quando as relações são bonitas. Todo amante ama o corpo amado. Nenhum amante ama um corpo feio. Todo o amante se deslumbra com o corpo do amado / amada. E esta beleza não é exclusivamente física, mas reside numa relação de vários fatores. A verdadeira beleza não é física. É estrutural. A beleza não reside nos olhos mas na sua cegueira. E o verdadeiro amante vê mais de olhos fechados, que com os olhos abertos. Quem ama de olhos abertos, na generalidade, acaba por recusar ver o ser amado, pois não vê mais nada que a si mesmo.
Mesmo quando não existe relação entre dois seres, a beleza não deve residir exclusivamente no corpo. Na beleza física do corpo. É no entorno. No nu artístico não é o corpo nu que é importante, é todo o entorno, a sua relação com o ambiente, o espaço, a luz. No entanto, o que apenas se torna digno de ver é o nu pelo nu. Tudo o resto não interessa, e desprezamos o verdadeiramente essencial.
Num mundo em que proliferam tantas imagens de nudez somos incapazes de ver para além do corpo nu. E por isso perdemos a beleza. Olhamos com os olhos do desejo e não com os olhos da beleza, perdendo o que é verdadeiramente essencial. Porque fomos/somos educados precisamente a repudiar, a ocultar, a reprimir a nossa sexualidade. Vivemos numa sociedade do desejo que reprime para que o fruto proibido seja mais apetecido. Quanto maior a repressão, maior o desejo.
 
Alnirus

Kiki de Montparnasse, Man Ray, 1930