A CASA DE POEIRA
Havia este homem
que vivia numa casa às escuras. Na casa a penumbra era total,
apesar das cortinas nas janelas que filtram a luz que vem do exterior.
O interior está iluminado pela luz de uma televisão. Esta provoca sombras
nas cortinas e, em conjunto com a luz, que persiste entrar do exterior,
configura uma imagem irreal de uma árvore abanando ao vento.
Esta imagem, esta luz, é tudo o que
o homem conhece. É a sua realidade.
Dentro da casa existe um espelho
oculto nas sombras. Todos os dias o homem passa por ele, olha para
ele, no entanto, não repara verdadeiramente nele. A escuridão oculta a imagem
poeirenta do espelho. A escuridão oculta toda a poeira existente na
casa. Em toda a casa. Sobre as mobílias. No chão. Nos tapetes. O
próprio casaco do homem está coberto de uma enorme camada de poeira. O chapéu
também. O cabelo também. Tudo parece estar coberto de uma imensa camada de
poeira branca. Como um pano branco que envolve todo o seu rosto e cabeça,
atrofiando / ocultando os olhos, os ouvidos, e todos os demais sentidos.
E o homem não tem sequer a noção de
quanta poeira existe na sua vida.
Esta poeira, com o tempo, acabou por
ocultar as centenas de livros que forram as paredes da sua casa.
Todas aquelas páginas, como que desapareceram debaixo daquele manto de poeira.
Com o tempo, o próprio homem acabou por perder a noção da casa, das janelas e
das portas. Com o tempo, apenas restou a poeira. Um homem sentado no meio da
poeira a ver televisão.
Então, na escuridão, uma vela acende-se...
Então, o homem descobre que,
primeiro, há uma janela (pensa, pelo menos, que deve haver uma janela).
Por trás desta janela deve haver um rio. No entanto, apenas vê um
espelho. Uma espécie de cortina que o impede de ver a janela.
Esta confunde-se com as paredes da panela de pressão onde vive. É
como se vivesse adormecido, com uma venda que lhe inibe os sentidos.
A intensidade desta vela é imensa e o
homem consegue senti-la através da venda. Sente o seu calor. Este
calor é tanto que a venda acaba por
escorregar devido ao suor no seu rosto. O homem consegue agora
ver o interior da panela em que vive.
Toma consciência de toda a poeira que o
rodeia. Que reside em si. Na parede repara no espelho. Olha-se no espelho. Branco. É uma imagem fantasmagórica. Assustadora. Repara que a luz da televisão configura esse ar
assustador ao seu retrato. Desliga a televisão. O seu rosto ganha,
agora, um tom avermelhado. Mais quente. E esse calor começa a derreter a poeira
que se lhe acumulou. Frente ao espelho, por trás de homem, este repara numa cortina. Esta
cortina agita-se suavemente como uma imagem
de uma árvore ao vento. Uma aragem parece vir por detrás dela.
O homem afasta a cortina. Arranca-a da parede. Esta desfaz-se em pó.
O homem olha agora a janela. Do outro lado a pintura de um rio.
Abre a janela. A luz exterior
invade-o. Enche toda a casa. O homem vê agora o rio. Ouve o som do rio. Sente a
fragrância do rio. As paredes e a janela desapareceram. Não há agora
casa. Nem paredes. Nem teto. Nem portas e janelas. Apenas o espaço. Um grande
espaço.
E o homem deita-se sobre o rio.
Deixa que a corrente o leve. Não importa onde.
Alnirus
"Dust Room", Alnirus, 2020 |