A CHAMA INTERIOR

A arte explicita a visão do mundo do artista. Representa, simbolicamente, a qualidade da chama que reside no seu interior. E esta chama é tão subtil, vibra numa frequência tão alta, que poucos logram sequer vislumbrá-la...  
Essa chama é a consciência, a luz que nos mantém despertos. E esta luz, no artista, deve brilhar mais intensa que no exterior.

Na natureza universal, tudo é equilíbrio. Quanto maior é a consciência, menor é o interesse pelo exterior; quanto mais cheio se encontra o interior mais vazio fica o exterior. Quanto maior a luz interior, maior é a escuridão exterior. E vice-versa. É um fluxo que pode circular nos dois sentidos, ou em direção ao interior, ou em direção ao exterior. Só os cegos olham para fora. Os que ‹‹vêm›› na realidade, olham para dentro.

O fogo interior movimenta-se sempre da profundeza do ser para cima, para a cabeça, para a mente. É o fogo interior que ilumina a mente e desperta a consciência. E toda a ação / movimento interior, reflete-se no exterior: vemos através dos olhos do coração e da mente. Neste sentido, não vemos verdadeiramente, pois os óculos do conhecimento e da aculturação ofuscam-nos a visão. No entanto, por vezes a luz que queima dentro de nós é tão grande que irradia para fora. Uma das formas de expandir esta radiação é através da Arte.

Comunicamos e relacionamo-nos com os outros através dos sentidos, da mente e do corpo. O corpo é o veículo através do qual a arte se transmuta, o espírito do artista se purifica. O espírito é o corpo, o corpo é o espírito. O corpo e a alma são dois extremos do mesmo polo. O corpo invisível é a alma, a alma visível é o corpo. Dois estados diferentes de vibração da mesma identidade. É a janela entre o mundo interior e exterior. E a janela é apenas uma membrana muito fina que interliga ambos mundos. É a condição humana.

“La Condition Humaine”, René Magritte, 1933


A arte exprime, assim, a condição humana do homem. Exprime a forma como o artista olha o mundo. E neste sentido, como a Humanidade se vê a si própria. A Arte, de certa maneira, representa a (in)consciência do Homem.

O corpo do artista é o veículo da sua (in)consciência. Alguns usam-no literalmente. Não como metáfora, como sugerem muitos (auto)retratos, mas como forma de expressão, com destaque para a arte feminina. O artista usa o corpo para comunicar com a obra, para produzir a obra e, por vezes, ele é a própria obra (Orlan). Porque não existe dissociação entre o corpo do artista e a sua obra. A obra está para o corpo, como o corpo está para a obra. A matéria exterior da obra é diretamente proporcional à chama interior do artista. É como a luz que entra por uma janela: a proporção de luz no exterior é diretamente proporcional à escuridão do seu interior.

O Corpo da Obra. O corpo humano tem braços e mãos que permitem agarrar e também proteger, pernas e pés que lhe permitem caminhar, realizar um determinado percurso, um tronco que o sustém e uma cabeça que onde reside a massa pensante; o centro operativo. Também a Obra tem mãos, braços, pernas, pés e até um cérebro. Efetivamente, ela é um simulacro do seu autor. Os pés e as pernas são o caminho que ela percorreu (a história da obra, as exposições e destinos das peças e componentes). Os braços e as pernas os meios do qual ela se serviu para se edificar (são as partes da obra, os componentes, as várias peças que se encaixam cronologicamente) e o cérebro, a linha condutora que gere ou dirige essa mesma Obra. O fluxo de energia que a mantém coesa, coerente, como Corpo. Esse fluxo de energia é, no fundo, a chama que insufla o peito do autor. A grandeza da obra corresponde à qualidade da chama que arde no interior do seu autor.

Alnirus


“Embodied Flame”, Alnirus, 2018
(Opus Vitalis)